Oito Cartas, Destinatário Ausente - Um conto de fadas que irá te revelar o que acontece após "felizes para sempre"
E se, depois do “felizes para sempre”, viesse o silêncio? A estreia literária de Rômulo nessa obra com grandes chances de se tornar clássica é um conto de fadas às avessas: lírico, devastador e impossível de abandonar.
Há livros que nos seduzem pela trama. Outros, pela linguagem. Há os que nos atravessam como uma lâmina, e há os que nos abraçam com mãos sujas de sal. E Oito Cartas faz tudo isso — e mais. Com um subtítulo provocador “Um conto de fadas que te revelará o que há após ‘felizes para sempre’ ”, o livro nos convida a testemunhar não apenas um romance, mas os estilhaços dele.
Essa dúvida é uma das engrenagens mais poderosas da narrativa. O título — Destinatário Ausente — provoca, mas não entrega. O livro se sustenta no mistério, nos silêncios entre uma carta e outra, nos hiatos emocionais que o leitor precisa preencher por conta própria. A resposta pode vir. Ou não. E esse suspense é o que faz da leitura uma experiência quase obsessiva.
A metáfora do conto de fadas invertido não é apenas estética: é estrutural. Rômulo desfaz os mitos do amor romântico, da salvação pelo outro, da pureza do afeto interracial e da ideia de que o amor basta. Aqui, o que sobra após o “felizes para sempre” são fragmentos, palavras, restos. E é nesses restos que o autor encontra beleza.
A escrita de Rômulo é afiada e lírica. Seus parágrafos ressoam como orações quebradas, tão carregados de emoção que parecem arder no papel. Há algo de James Baldwin na força política da intimidade, algo de Roland Barthes na dissecação minuciosa dos afetos, e ecos de “Moonlight” na estética do não-dito, na dor que se arrasta silenciosa entre os corpos.
Ao ambientar a história num vilarejo baiano — longe dos centros urbanos e do clichê cosmopolita —, o autor reafirma a territorialidade do afeto negro, dando ao cenário um papel simbólico e narrativo de grande impacto. A Bahia, com seus pescadores, suas ausências e suas memórias, torna-se quase um terceiro personagem entre Dante e Sacha: testemunha, cúmplice e, talvez, algoz.
Além da densidade literária, Oito Cartas, Destinatário Ausente tem uma qualidade cinematográfica evidente. Seu ritmo íntimo, a tensão contida, o apuro estético e a ambientação entre o litoral baiano e os abismos afetivos o colocam como forte candidato a uma adaptação para o cinema. É fácil imaginar essa história nas mãos de diretores como Barry Jenkins (Moonlight, If Beale Street Could Talk), que sabe como ninguém traduzir silêncio em imagem e desejo em luz. Também se pode sentir ecos do lirismo de Karim Aïnouz, especialmente em O Céu de Suely e A Vida Invisível, onde o tempo lento, o feminino e a ausência ganham densidade estética e dramática. E também, Luca Guadagnino, com seu olhar sensorial e sua assinatura de intensidade emocional contida, também seria uma escolha natural — alguém capaz de traduzir o erotismo da ausência com beleza devastadora, como já fez em Me Chame Pelo Seu Nome.
Oito Cartas, é um romance-suspense que não pede leitura — exige rendição. Quem mergulha nessas cartas não sai ileso. Dante não escreve apenas para Sacha. Escreve para todos que já amaram alguém que não soube ficar. Para todos que já habitaram o lugar da ausência, da espera, da insistência em nome de algo que parecia amor. É também, muito mais que uma história de amor entre dois homens, é uma narrativa que cabe pra todo tipo de relação, e para pessoas de todas as sexualidades. Qualquer ser que já experimentou o amor, irá se encontrar nessa obra.
Rômulo entrega ao mundo um livro inaugural maduro, belo e corajoso. Uma obra que já nasce com o peso de um clássico moderno. E que nos faz lembrar que, às vezes, a parte mais verdadeira do amor não está no encontro, mas naquilo que se escreve quando tudo parece ter acabado — mas ainda não acabou.
Comentários
Postar um comentário
Obrigado por visitar o nosso portal.