CRÔNICA: Ciao, Rrrómolo!

Já morei em alguns lugares, outros tantos visitei, mas hoje, tenho três pontos no mundo. Cada um tem uma função em minha vida, onde esses, quero manter até meu último suspiro. Não tenho mais paciência para novas mudanças. Dentre eles, há o meu lugar de artista, onde acordo em uma construção secular com piso de madeira que range, abro as janelas pesadas que não podem ser trocadas - por ordem de uma lei patrimonial; sinto de imediato o cheiro de peixe recém pescado, e logo depois, desço pra tomar um café no restaurante que fica no térreo do prédio de três andares, assim que fecho a porta que possui uma chave de ferro pesada, que também não pode ser trocada. Acabo largando o imóvel aberto.

No café do vecchio Giuseppe, que xinga quase todos os clientes sem que eles ouçam, quem me atende, já sabe o que tomo, o que como e até onde sento - todos os dias - no mesmo horário. Confessei a Magda, neta do vecchio, que gosto de ouvir as histórias alheias, onde geralmente aproveito algo para me inspirar a escrever, assim que retorno para o imóvel do andar logo acima do café. 

Passo às vezes quase duas horas sentado, tomando um macchiato atrás do outro, para poder ouvir conversas que não deveria. Subo, escrevo, saio às 16h00 pra almoçar, também para o mesmo lugar de sempre de almoço, já próximo ao portal da cidade que quase não pode entrar carro. Por lá, o comportamento e a rotina são quase os mesmos. Assim como à noite no cais, para tomar um gelatto de San Crispino de melão com limão ciciliano, e ouvir os barqueiros, veleiros, marinheiros e pescadores recitarem seu idioma; enquanto falam de mulheres, futebol, peixes, mulheres e futebol. 

Me recolho cedo - o barulho do mar batendo nas pedras faz isso com a gente. Adormeço rápido, refletindo em como sou feliz naquele lugar, onde quase ninguém pergunta de onde sou - a não ser quando não tem assunto -, muito menos o que faço. Basta o nome, para sempre cumprimentarem: “Ciao, Rrrómolo” em vez de Rômulo em português. 

Mas é claro que essa narrativa só acontece fora do verão, ou das semanas de pico da alta temporada. Portofino é linda sob o sol, mas parafraseando Odete Roitman: “Eu também adoro, mas só em cartão postal.” Entre fim de junho e metade de setembro, a cidade que descobri através de uma música, fica abarrotada de gente, e me rouba a oportunidade de ser poético no lugar onde escolhi ser meu altar sagrado de artista; e onde quase não tiro fotos, pois estou ocupado criando e vivendo.

texto: Rômulo André Álvares

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